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Cordel: o Sebastianismo no Sertão



Vou contar sobre uma ordem,
Secreta e misteriosa
Nascida em Portugal,
Que chegou a terra nossa
Espalhou-se por todo o mundo
e resgatou lá do fundo
A esperança milagrosa.

É aquela velha história,
Do retorno do Salvador
Vindo num cavalo branco,
Com papel de Redentor
Tirando o povo da desgraça,
Da pobreza e da pirraça
Do prefeito e do Doutor.

Certo rei de Portugal,
Por nome Dom Sebastião
Era jovem, destemido,
Guerreiro e bom cristão
Brigador e bom nas armas,
Organizando cruzadas
Lutava com o coração.

A bandeira Lusitana
Tremulava em todo canto
O império já cobria,
Quase todo o mediterrâneo
Mas pra Dom Sebastião,
Era quase obsessão
Cobrir a África com seu manto.

Por muitas brigas internas,
lá dos sultões Marroquinos
Foi chamado o nosso rei,
para apaziguar os meninos
Armou uma expedição,
20 mil soldados na mão,
E pôs-se logo a caminho.

Mas é claro que o sultão,
Inimigo Lusitano
Teve ódio e revolta
Contra o rei soberano
Organizou seus soldados,
o destino era selado
Pelos povos muçulmanos.

Vinte mil Lusitanos,
Contra cem mil fortes mouros,
Estava claro de quem
Seria arrancado o couro,
Lá em Alcácer-Kebir,
Viria o nosso rei sucumbir
Como na arena, um touro.

Mas o mistério cobre o cerco,
Do povo de Allah
O rei Dom Sebastião
Desapareceu por lá
Não se encontrou o corpo,
Dele vivo ou dele morto
Tava o mistério no ar.

No reino de Portugal,
choravam senhores e senhoras
O reinado sem herdeiros
ia para mãos espanholas
Pra consolo da dinastia,
Só mesmo a profecia
Do retorno é que consola.

E é desta profecia,
Que vou lhes falar agora
Que mudou completamente
o rumo de nossa história
Briga de rei e sultão,
Inspirou nosso sertão
à insurreição e glória.

A profecia do retorno,
do rei Dom Sebastião
Virou mito, crença e credo.
E quase religião
Ideal nacionalista,
Transformou-se em comunista
Quando chegou ao sertão.

O sertanejo acostumado,
À injustiça e pobreza
Esperava o retorno
De um líder com grandeza
Pois pra um povo sofrer tanto,
Deve haver em algum canto
Alguém que os proteja.

Logo os sebastianistas
Chegaram ao nosso nordeste
Encontraram sofrimento,
Fé, fome, e peste.
Descobriram nos sertões
Povos, populações
Esperando quem viesse.

Mostraram a esse povo
o que a Bíblia falava
Não tem jeito, estava escrito.
Tava errado quem roubava.
Como na Maçonaria,
Injetava ideologia
Quando de Cristo falava.

Logo, logo o sentimento.
De revolta com razão
Fez-se bandeira de luta
O rei Dom Sebastião
Que sumiu numa peleja,
Defendendo a Santa Igreja
E o mandamento cristão.

De Deus a revolucionário,
Jesus Cristo passou
O rei Dom Sebastião
Tornava-se o redentor,
Só faltava o povo agora,
Se inflamar de fé e glória
E guerrear com o malfeitor.

A primeira insurreição
Deu-se lá em Pernambuco
Silvestre José dos Santos,
Que diziam ser maluco
Na Serra do Rodeador
Esperava o Redentor
E fez guerra contra o Impuro.

Este fato aconteceu
Em mil oitocentos e dezessete
Quando muita gente foi
Ajudar Mestre Silvestre
Todos de arma na mão,
Fazendo revolução
Contra o opressor do agreste.

No Nordeste o opressor
Sempre esteve no poder,
Por isso era difícil,
Lutar pra sobreviver,
Quem criar comunidade,
Com justiça e igualdade,
Se prepare pra morrer.

A segunda insurreição,
Foi no sertão do Pajeú
Entre o sertão da Paraíba
E a terra do Maracatu
Em mil oitocentos e trinta e cinco,
O soberano era bem vindo
Em terras de Céu Azul.

O Beato João Antônio,
Líder desta comunidade,
Viu as pedras encantadas,
Lá pertinho da cidade
Conclamou o povo todo
Para correr num sufoco.
Pra morar na eternidade.

O desespero desta gente,
Que vive à própria sorte
Fez ouvir a voz do mestre
Que dizia firme e forte:
Vem morar na imensidão,
Com o rei Dom Sebastião
Vamos se entregar à morte.

O suicídio coletivo
Que aconteceu por lá
Foi a mais cruel imagem,
Da injustiça do lugar
Pois lá no alto sertão
Verdadeira insurreição
Foi morrer pra não matar.

A terceira insurreição,
Foi valente e mais famosa,
É cantada e declamada,
Em verso, canção e prosa,
Foi no sertão da Bahia,
Onde guerra e poesia
Fizeram-se bala e trova.

Falo da guerra de Canudos,
O reduto Monarquista,
Tinha Crente, rezador,
Xamã e sebastianista
Bom Antônio Conselheiro,
Cearense, catingueiro
Pregava guerra na missa.

Foram quatro as batalhas,
Que houve na Terra Santa
O exército brasileiro,
Não poupou velho ou criança,
Lutando com fé em Cristo,
Pelo pasto coletivo,
E em Antonio a esperança.

Guerra má, sem precedentes,
Neste meu sertão amado
Foi a guerra de Canudos,
Dos guerreiros encourados,
No final sem esperança,
Um velho, dois adulto e uma criança.
Contra cinco mil soldados.

Observem a resistência,
De todas as formas de luta,
Logo, logo, são esmagadas,
De forma absoluta
Aqui eu me contradigo,
Pois ainda resta um grito,
E permanece na labuta.

Todas as insurreições,
Que houve no Nordeste,
Políticas ou messiânicas,
Com comandante ou com mestre
Todas elas ocorreram
Por que os povos careceram,
Do que ainda carecem.

Povo oprimido é pólvora,
Com fome é dinamite,
Nem o preto, nem o branco,
Nem o caboclo resiste
Pois na hora da verdade,
João Diabo vira Abade,
E corre mesmo é pro rifle.

A história do retorno
Do rei Dom Sebastião,
Ainda corre calada
No meio deste sertão,
num cochicho, numa prosa,
Os cabra valente da roça
Tramando revolução.


E se um dia ao acaso,
Pegares a Bíblia pra ler,
Vai ver que todos têm,
 mesmo direito de viver,
Peço-lhe tome cuidado,
O governo tá no encalço
De quem a Cristo obedecer.